
Sevilha: uma surpresa boa demais para dois dias apenas
Sevilha é uma cidade onde as camadas do tempo se sobrepõem como páginas de um livro antigo. Fundada há mais de 3.000 anos às margens do rio Guadalquivir, a lenda diz que foi Hércules quem deu origem à cidade. Mas os registros históricos apontam para os tartessos como os primeiros habitantes, seguidos pelos romanos, que a chamavam de Hispalis.
No século VIII, Sevilha foi conquistada pelos muçulmanos e tornou-se uma das cidades mais importantes do califado de Córdoba, florescendo em arquitetura, ciência e comércio. Essa influência árabe está viva até hoje nos arcos, azulejos e jardins que encantam cada visitante.
Em 1248, foi reconquistada pelos cristãos sob o comando de Fernando III, e a cidade passou a integrar o reino de Castela. Durante o século XVI, após o descobrimento da América, Sevilha se transformou no principal porto de entrada e saída de riquezas entre o Novo Mundo e a Europa, tornando-se uma das cidades mais ricas e cosmopolitas da época.
É por isso que Sevilha é tão única: ao caminhar por suas ruas, você encontra restos romanos, palácios árabes, igrejas góticas e praças barrocas — tudo convivendo com a arte flamenca, o vinho andaluz e um povo que sabe celebrar a vida.
Ficamos duas noites em Sevilha. E foram maravilhosas.
Eu não imaginava que gostaríamos tanto.
Fomos em fevereiro, sem grandes expectativas — a não ser saber que na Plaza de España haviam sido gravados filmes incríveis. O mais marcante, para mim, foi Star Wars: Episódio II – Ataque dos Clones.
Chegamos pela tarde, vindo de Lisboa, e logo sentimos o contraste: avenidas modernas que de repente se encontram com vielas estreitas, prédios históricos e uma arquitetura que mistura passado e presente com um charme difícil de descrever.
Nosso hotel ficava numa rua tão estreita que mal passava um carro e um pedestre. O estacionamento parecia exigir carteira de motorista profissional nível hard.
Mas tudo isso só tornava a experiência mais autêntica.
Saímos batendo perna pelas ruas charmosas para achar um lugar para almoçarmos .
Se tem algo que Sevilha tem de bom é sua comida.
As tapas (pequenas porções para compartilhar) são muito mais do que uma tradição espanhola: são a alma das conversas despreocupadas, dos encontros sem pressa. E cada lugar tem sua especialidade, sua receita de família, seu toque secreto. Um simples salmorejo (versão andaluza do gaspacho) pode emocionar.
O jamón ibérico, pendurado nas vitrines das padarias e bares, é tratado com reverência.
As ruas de Sevilha são cheias de descobertas:
- Mercado Lonja del Barranco: moderno, com várias estações gourmet.
- Bodeguitas escondidas nos becos do Casco Antiguo, onde o tempo parece ter parado.
- Tabernas históricas, como a El Rinconcillo, em funcionamento desde 1670.
- E claro, lugares como o Dos de Mayo, com tapas generosas e clima alegre.
Até o café da manhã surpreende: padarias artesanais, como a Crustum, oferecem delícias locais
Nosso primeiro contato com a comida tipica foi no restaurante Dos de Mayo. Um experiencia bem bacana e diferente .
O Dos de Mayo está ali desde o início do século XX, no coração do bairro de San Lorenzo — um dos mais autênticos de Sevilha . Era, originalmente, uma “taberna e colmado”: um comércio de bairro que vendia mantimentos e oferecia petiscos.
Nos anos 1950, fechou suas portas. Só em 1985, o empreendedor Pepe Gutiérrez o resgatou — na época operando como loja de congelados — e o transformou em taberna de montaditos (mini-sanduíches) e chacinas, já servindo cervejas internacionais
Em 2005, iniciou-se a grande reforma, encerrada em 2007 — com nova identidade visual, decoração que respeita o clima de taberna antiga, mas com toques modernos Foi então que o Dos de Mayo ganhou notoriedade, figurando em guias gastronômicos como Michelin e Le Routard, e conquistou fama online e entre críticos .
Hoje, lares tradicionais andaluzes se unem a um ambiente contemporâneo: tapas clássicas (como solomillo al whisky, bacalao e o famoso “bombón de pato”), marisco fresco, atmosfera acolhedora e atendimento sem formalidade, mas cheio de simpatia
🍽️ Dos de Mayo
Uma típica taberna andaluza com tapas incríveis e ambiente descontraído.
📍Pl. de la Gavidia, 6, 41002 Sevilla, Espanha
📲 Instagram: @tabernadosdemayo
🕐 Recomendado chegar cedo: costuma lotar!

Depois disso, fizemos um pequeno passeio pelas redondezas e voltamos ao hotel para descansar.
Nosso segundo dia: história em cada esquina
Começamos o dia tomando café em uma das milhares de padarias da cidade — é impressionante a variedade. Tudo cheira a jamón (presunto).
Nossa primeira parada foi nas Colunas de Hércules.
As colunas são um marco simbólico. Diz a lenda que o próprio Hércules fundou Sevilha, e que essas colunas representavam os limites do mundo conhecido. Na mitologia, as “Colunas de Hércules” estariam localizadas no Estreito de Gibraltar — separando o Mar Mediterrâneo do Oceano Atlântico — e serviriam como o aviso: “non plus ultra”, ou seja, “não há nada além daqui”.
As colunas que estão hoje na praça foram erguidas no século XVI, trazidas das ruínas romanas de Itálica (cidade natal do imperador Trajano, a poucos quilômetros dali). No topo, estão as estátuas de Hércules e Júlio César, dois nomes ligados à fundação mítica e histórica da cidade.
Parar ali, mesmo que por alguns minutos, é como cruzar o limite entre mito e história. Tem a classica foto entre as colunas , claro.

Seguimos em direção ao centro, passando por edifícios com traços mouraicos e mudéjar, com arcos, azulejos e varandas que remetem a um passado andaluz profundo. A cidade transpira cultura.
Passamos pela Prefeitura, o VLT espanhol (tranvía), e não resistimos às vitrines de padarias que exibiam presuntos ibéricos pendurados e pães artesanais com crostas douradas. Na Plaza del Cabildo, cada ângulo parece uma pintura.
A poucos passos da Catedral de Sevilha, quase escondida entre ruelas, está a Plaza del Cabildo — um pequeno tesouro circular cercado por arcos elegantes e serenidade.
Esse espaço fazia parte do antigo Colégio de San Miguel, fundado no século XVI. No século XX, após a demolição parcial do colégio, surgiu a ideia de transformar o local em uma praça semicircular, com colunatas e arcadas decoradas com afrescos sutis e uma fonte central.
Hoje, ela abriga livrarias de antiguidades, bancas de colecionadores e um silêncio quase poético, em contraste com o burburinho turístico ao redor. Aos domingos, há uma tradicional feira de moedas, selos e objetos raros.
É o tipo de lugar que você só descobre se estiver caminhando sem pressa.
A Catedral de Sevilha: história e grandiosidade
Visitamos a imponente Catedral de Sevilha.
A Catedral de Sevilha, ou Catedral de Santa María de la Sede, é muito mais do que uma construção religiosa — é um símbolo da alma andaluza. Seu tamanho impressiona: é a maior catedral gótica do mundo e a terceira maior igreja cristã em volume, atrás apenas da Basílica de São Pedro (Vaticano) e da Basílica de Aparecida (Brasil).
Mas sua grandiosidade não está só nas medidas. Está na história que carrega.
Erguida no local da antiga mesquita aljama de Sevilha, que datava do século XII, a catedral começou a ser construída em 1401, após a reconquista cristã. Os bispos da época teriam dito: “Vamos construir uma igreja tão grande que os que a virem terminada nos tomarão por loucos.” E conseguiram.
Parte da estrutura da antiga mesquita foi preservada, como o Pátio das Laranjeiras (Patio de los Naranjos) e, principalmente, a Giralda — que originalmente era o minarete da mesquita, e hoje é o campanário da catedral. Com quase 105 metros de altura, é o ícone visual da cidade.
Lá dentro, a imensidão da nave central, os 80 altares laterais, os vitrais coloridos, o coro ricamente entalhado e o túmulo de Cristóvão Colombo contam a história de um tempo em que fé e poder caminhavam lado a lado.
A catedral foi declarada Patrimônio Mundial da UNESCO em 1987, junto com o Real Alcázar e o Arquivo das Índias, formando o trio histórico mais importante de Sevilha.
Visitar a Catedral de Sevilha é se perder no tempo. Mas também é se encontrar diante daquilo que o ser humano é capaz de criar quando movido por fé, arte e ambição.
Ali dentro, a grandiosidade não é só arquitetônica. É simbólica. A catedral é o coração religioso, político e cultural da cidade. E ela é muito grande, você se sente pequeno por fora e por dentro.
É impossível não se emocionar com a grandiosidade da nave central e a riqueza dos detalhes góticos.

Real Alcázar: um castelo de sonhos e… Juliette Binoche?
Seguimos para o Real Alcázar, palácio real que mistura estilos islâmicos, góticos e renascentistas.
Este lugar é um dos lugares mais bonitos que ja visitei.
Visitar o Real Alcázar de Sevilha é como atravessar um portal para séculos diferentes — onde cada parede tem um idioma e cada jardim uma época.
A história começa no século X, quando os mouros construíram uma fortaleza sobre os restos de edifícios romanos. O que era apenas uma construção defensiva foi ganhando elegância com o tempo, até se transformar no coração político e cultural de Al-Andalus. A arquitetura islâmica deixou suas marcas profundas: pátios com fontes, arcos entrelaçados, inscrições em árabe e azulejos que parecem bordados de cerâmica.
Após a Reconquista cristã, no século XIII, o palácio foi reformado por diversos reis espanhóis. O mais marcante deles foi Pedro I de Castela, conhecido como “Pedro, o Cruel”, que encomendou no século XIV a construção do Palácio Mudéjar dentro do Alcázar — e criou uma das expressões mais extraordinárias da fusão entre arte muçulmana e cristã na Península Ibérica.
E o mais incrível: o Alcázar ainda hoje é residência oficial da Família Real Espanhola quando está em Sevilha. É o palácio real em uso contínuo mais antigo da Europa.
Além da beleza arquitetônica, o lugar ficou ainda mais famoso ao servir de cenário para filmes e séries, como Lawrence da Arábia, O Reino dos Céus e, claro, Game of Thrones, onde representou os jardins do reino de Dorne.


Para nossa surpresa, estava acontecendo a cerimônia do 37º Prêmio Goya. E no meio da multidão, quem encontramos? Nada menos que Juliette Binoche. Sim, aquela atriz premiadíssima. Um presente inesperado.
Plaza de España: o cenário de filmes e sonhos
À tarde, visitamos a majestosa Plaza de España, uma das praças mais impressionantes que já vi.
A Plaza de España não é só o lugar mais fotogênico de Sevilha — é também um símbolo da união entre tradição espanhola, orgulho nacional e a abertura para o mundo.
Ela foi construída para a Exposição Ibero-Americana de 1929, um evento internacional que tinha como objetivo estreitar os laços culturais, econômicos e diplomáticos entre a Espanha e os países da América Latina, além de Portugal e os Estados Unidos. Foi a maneira de Sevilha mostrar ao mundo o que ela tinha de melhor — e, ao mesmo tempo, homenagear a herança hispânica espalhada por diversos continentes.
Projetada pelo arquiteto Aníbal González, a praça foi erguida com materiais tipicamente andaluzes: tijolos vermelhos, cerâmica esmaltada, ferro forjado e mármore. Seu formato semicircular simboliza o abraço da Espanha às suas ex-colônias, olhando para o futuro com respeito ao passado.
O grande edifício que contorna a praça mistura estilos renascentista, barroco e mudéjar, criando uma estética única. Um canal em forma de meia-lua cruza a praça e pode ser atravessado por quatro pontes, que representam os antigos reinos da Espanha: Castela, Leão, Aragão e Navarra.
Mas o detalhe mais encantador está nos 48 bancos de azulejos, cada um representando uma província espanhola, com seu brasão, mapa e um painel cerâmico que retrata um episódio histórico local. É uma verdadeira galeria a céu aberto.
Ali, o visitante não apenas tira fotos. Ele aprende, caminha por séculos de história e sente a grandiosidade de um país que se expressa através da arte e da arquitetura.
Ah, e claro — foi nesse cenário que filmes como Star Wars, Lawrence da Arábia e O Ditador ganharam vida. E quando você está ali, entende por quê: é um cenário tão belo que parece mesmo ter saído de outro mundo.


As fotos ficaram incríveis. Difícil escolher só uma.
Na volta, caminhamos até a catedral para ver sua iluminação noturna — e ela se transforma. O brilho, a imponência… parece uma outra cidade. Ali perto, encontramos um “botequinho” chamado La Parrilla, simples e surpreendente.
🍷 La Parrilla
📍C. Alemanes, Casco Antiguo, 41001 Sevilla, Espanha
🌟 Ideal para uma refeição rápida, com carnes saborosas e ambiente descontraído.

Seguimos andando e, de repente, caímos numa praça em frente à prefeitura — Plaza de San Francisco. Vários prédios antigos, um centro gastronômico com projeção de shows nas fachadas e restaurantes cheios de gente, vinho e alegria. Sevilha parecia em festa — mesmo numa noite comum de fevereiro.
A Plaza de San Francisco é uma das mais emblemáticas de Sevilha — não só por sua beleza, mas porque, por séculos, foi literalmente o coração político, social e cerimonial da cidade.
Seu nome vem do antigo Convento de San Francisco, que existia ali desde o século XIII, logo após a reconquista cristã da cidade. Durante a Idade Média e o Renascimento, a praça servia como espaço para eventos públicos, feiras, desfiles reais, execuções e até touradas.
Ao seu redor estão edifícios históricos como a imponente Ayuntamiento de Sevilla (Prefeitura), construída em estilo plateresco — um tipo de arquitetura ornamentada típica do Renascimento espanhol, com detalhes esculpidos que parecem renda em pedra. A fachada que dá para a praça é uma verdadeira obra de arte em pedra calcária.
Hoje, a Plaza de San Francisco ainda pulsa. Durante o dia, é ponto de passagem de turistas e moradores. À noite, transforma-se: restaurantes com mesas ao ar livre, bares de vinho, projeções nos prédios históricos e apresentações culturais tomam conta do cenário, criando uma atmosfera mágica. Em épocas festivas, como o Natal e a Semana Santa, ela ganha luzes e montagens especiais.

Passear a noite em Sevilha é muito bom.

Terceiro dia: café e Setas de Sevilha
Antes de partir, no terceiro dia, passamos pela charmosa Crustum, uma padaria artesanal no bairro de Triana que logo se revelou uma grata surpresa.
A fama começou com seu pão de massa mãe e empanadas irresistíveis.
🥐 Crustum Sevilha
📍C. Regina, 5, 41003 Sevilla, Espanha
📲 Instagram: @crustumsevilla
Nossa última parada foi nas Setas de Sevilha, uma das obras mais ousadas e modernas da cidade — e que contrasta, de maneira quase poética, com o centro histórico ao seu redor.
O nome oficial é Metropol Parasol, mas o apelido “Setas” (cogumelos) pegou de vez, graças à forma orgânica da estrutura. Projetada pelo arquiteto alemão Jürgen Mayer, a construção foi inaugurada em 2011 como parte de um projeto de revitalização da Plaza de la Encarnación, uma área até então pouco valorizada do centro.
Com mais de 150 metros de comprimento e 26 metros de altura, essa gigantesca estrutura de madeira — considerada a maior do mundo nesse estilo — abriga:
um museu arqueológico subterrâneo, com ruínas romanas e muçulmanas descobertas durante a escavação.
um mirante panorâmico com vista de 360º sobre Sevilha,
um passeio elevado que parece flutuar sobre os telhados antigos,
um mercado gastronômico no térreo,
🌉 Setas de Sevilha
📍Pl. de la Encarnación, s/n, 41003 Sevilla, Espanha
📲 Instagram: @setasdesevillaoficial
Uma estrutura moderna em madeira, com passarelas no alto que oferecem uma vista panorâmica da cidade. Um contraste moderno no coração histórico da cidade. Vale muito a visita.

E assim nos despedimos de Sevilha, com a certeza de que foi muito mais do que uma parada entre dois destinos. Foi uma experiência viva, intensa, colorida e emocionante. Iríamos para o Algarve… mas isso já é outra história.
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